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Abandono de imóveis urbanos e a responsabilidade dos municípios

Notícia

Abandono de imóveis urbanos e a responsabilidade dos municípios

05/05/2018

Isso pode se dar por diversos motivos, sendo os mais corriqueiros a incerteza fundiária, o descuido intencional ou a mera desídia

Lamentavelmente, não são incomuns os casos de imóveis abandonados dentro da realidade urbana brasileira. Há sim na maioria das cidades de porte grande e médio, e agora até nas menores, um número determinado de casas e prédios entregues à própria sorte, sem receber nenhum tipo de atenção ou de manutenção por parte do proprietário ou responsável.

Isso pode se dar por diversos motivos, sendo os mais corriqueiros a incerteza fundiária, o descuido intencional ou a mera desídia. Na primeira situação normalmente existe conflito entre herdeiros e/ou eventuais compradores, de maneira que a titularidade ou a gestão do bem se encontra indefinida; na segunda o proprietário; na segunda o proprietário de um imóvel restrito por tombamento ou cláusula de doação tenta ocasionar a sua demolição por meio de omissões continuadas, pois o terreno nu representa maior valor de negócio; e a terceira é o abandono por mera falta de interesse ou mesmo irresponsabilidade.

Independente de motivação, o fato é que tais bens não cumprem a sua função social, uma vez que o abandono resulta em problemas de ordem ecológica, estética, sanitária e de segurança. Com efeito, um imóvel em descaso é abrigo para marginais das mais variadas espécies, centro para consumo de drogas e vetor de disseminação de doenças – isso para não falar no acúmulo de sujeira e na poluição visual gerados, dentre outros problemas.

Além do mais, como são em regra regiões já dotadas de infraestrutura, contando com escolas, energia, hospital, saneamento básico e transporte público, o prejuízo ao erário é evidente visto que o Poder Público acaba sendo obrigado a equipar outras áreas que não precisariam estar ocupadas ainda.

É sabido que a Constituição da República de 1988 alçou a função social da propriedade ao patamar de direito fundamental e de princípio da ordem econômica, haja vista o que dispõe o inciso XXIII do art. 5º e o inciso III do art. 170, respectivamente. Ademais, ao tratar da política urbana, o § 2º do art. 182 dispôs sobre a função social como pressuposto do direito à cidade e do cumprimento das funções sociais desta.

Como não poderia deixar de ser, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), ao regulamentar os arts. 182 e 183 da Lei Fundamental, e o novo Código Civil (Lei 10.406/2002), editado em seguida, também dispuseram sobre o assunto, respectivamente, nos seus arts. 39 e 1.228.

Foi para fazer frente a essa problemática que o essa lei dispôs sobre o instituto da arrecadação de bens, que consiste na perda da propriedade imobiliária em razão do abandono, conforme dispõe o art. 1.275. A norma civil estabeleceu o seguinte a respeito do assunto:

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1º. O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2º. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Posteriormente, a Medida Provisória 759/2016 também dispôs sobre o assunto, tendo a mesma sido recentemente convertida na Lei 13.465/2017:

Art. 64. Os imóveis urbanos privados abandonados cujos proprietários não possuam a intenção de conservá-los em seu patrimônio ficam sujeitos à arrecadação pelo Município ou pelo Distrito Federal na condição de bem vago. (...)

A arrecadação de bens é um procedimento administrativo que deve ser levado à frente pela própria Administração Pública municipal, já que este ente é o responsável pela execução da política urbana, nos termos do art. 182 da Lei Fundamental. Isso implica dizer que esse instrumento deve concorrer para a efetivação das funções sociais da cidade, a exemplo do direito à mobilidade urbana, à moradia e ao saneamento básico, em consonância com o que estabelece o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

É claro que no contexto específico brasileiro, em razão da enorme desigualdade social e do imenso déficit habitacional, o direito à moradia digna acaba se sobressaindo de maneira bem mais acentuada. Daí a caracterização do instituto como instrumento de política urbana, e mais especificamente como instrumento auxiliar de política habitacional:

Art. 15. Poderão ser empregados, no âmbito da Reurb, sem prejuízo de outros que se apresentem adequados, os seguintes institutos jurídicos:  (...)
IV - a arrecadação de bem vago, nos termos do art. 1.276 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);

Art. 65. Os imóveis arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros, no interesse do Município ou do Distrito Federal.

Cuida-se de um procedimento administrativo por excelência, de forma que a autorização judicial não se faz necessária. O primeiro passo é a provocação inicial, que pode partir da própria prefeitura, do Ministério Público ou de qualquer pessoa física ou jurídica, já que a matéria urbanística é constituída por normas de ordem pública. Em seguida, há que se formalizar a constatação dos requisitos materiais, o que consiste no estado de abandono do bem urbano com os consequentes prejuízos à vizinhança e à coletividade.

Somente então deve ser expedido o auto declaratório de abandono do bem, o que normalmente fica a cargo do setor patrimonial da prefeitura. Após os três anos de abertura do procedimento e mantida a situação que a ele deu origem deverá ser expedido o auto de arrecadação final. O procedimento geral está previsto no art. 64 da Lei 13.465/2017:

§ 1º. A intenção referida no caput deste artigo será presumida quando o proprietário, cessados os atos de posse sobre o imóvel, não adimplir os ônus fiscais instituídos sobre a propriedade predial e territorial urbana, por cinco anos.

§ 2º. O procedimento de arrecadação de imóveis urbanos abandonados obedecerá ao disposto em ato do Poder Executivo municipal ou distrital e observará, no mínimo:
I - abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação;
II - comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal;
III - notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação.

§ 3º. A ausência de manifestação do titular do domínio será interpretada como concordância com a arrecadação.

§ 4º. Respeitado o procedimento de arrecadação, o Município poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina.

§ 5º. Na hipótese de o proprietário reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado, no transcorrer do triênio a que alude o art. 1.276 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), fica assegurado ao Poder Executivo municipal ou distrital o direito ao ressarcimento prévio, e em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, em razão do exercício da posse provisória.

É evidente que o direito ao contraditório e ao devido processo legal tem de ser respeitado, uma vez que a propriedade é um direito fundamental. Como a natureza jurídica da arrecadação de bens é de processo administrativo, não é possível deixar de observar as garantias processuais das partes interessadas.

À Municipalidade não é dado decidir se procede ou não à arrecadação de bens, pois se trata de ato vinculado se constatado o efetivo abandono do bem urbano. Isso implica dizer que o gestor omisso poderá ser responsabilizado, podendo inclusive responder a ação de improbidade administrativa.

É que a arrecadação de bens é mais um instrumento de promoção do direito à cidade, aqui entendido como a garantia de acesso includente e equitativo ao espaço e à infraestrutura urbana. Em vista disso, por se tratar de um direito fundamental, não é possível abrir mão do cumprimento das funções sociais da cidade.

Fonte: Conjur

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